terça-feira, 14 de dezembro de 2010

À IRA

"Neste tormento inútil, neste empenho
De tornar em silêncio o que em mim canta,
Sobem-me roucos brados à garganta
Num clamor de loucura que contenho.

Ó alma da charneca sacrossanta,
Irmã da alma rútila que eu tenho,
Dize para onde eu vou, donde é que venho
Nesta dor que me exalta e me alevanta!

Visões de mundos novos, de infinitos,
Cadências de soluços e de gritos,
Fogueira a esbrasear que me consome!

Dize que mão é esta que me arrasta?
Nódoa de sangue que palpita e alastra…
Dize de que é que eu tenho sede e fome?!"


"Hora sagrada dum entardecer
De Outono, à beira-mar, cor de safira,
Soa no ar uma invisível lira…
O sol é um doente a enlanguescer…

A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!

O sol morreu…e veste luto o mar…
E eu vejo a urna de oiro, a balouçar,
À flor das ondas, num lençol de espuma.

As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em uma urna de oiro,
No mar da Vida, assim…uma por uma…"


[Florbela Espanca]

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

OLHOS FECHADOS

Descobri que tenho sido uma desiquilibrada. Uma fanática e obssessiva. Uma fora de mim. Fantasiosa. A louca.
Eu me perdi na queda livre. Quase me parti. Quando nada mais se encaixou nos sentidos, suspendi.

"O que vocês diriam dessa coisa
Que não dá mais pé?
O que vocês fariam pra sair desta maré?
O que era sonho vira terra"
Tudo parou. Fechei os olhos, encobri a visão do coração com pureza. E pude começar a ver.
Em breve, quem sabe, poderei abrir os olhos e seguir com a simplicidade de nada ansiar. Estar em paz por ser amor da cabeça aos pés. Plena e dona de mim.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

"Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...

Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força dos meus músculos,
e deitar-me na lama, o pensamento opiado...

Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir , se me restasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma,
dos desastres que erraram o alvo do meu corpo..."

[Guimarães Rosa]

"Sonhar o sonho impossível,
Sofrer a angústia implacável,
Pisar onde os bravos não ousam,
Reparar o mal irreparável,
Amar um amor casto à distância,
Enfrentar o inimigo invencível,
Tentar quando as forças se esvaem,
Alcançar a estrela inatingível:
Essa é a minha busca."
[Dom Quixote]

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

TSURU


Um para cada dia
Pelo sopro de
paz,
equilíbrio e liberdade
Sobre a ausência,
ardente em minhas horas

Para dar asas à saudade
e leveza à alma

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

RECORTES PASSADOS

"Não é isso, Túlio. Afastada de mim
A intenção de te causar tormento.
É o Tempo, amigo. E se me faço ampla
O inimigo atroz não me acompanha
Porque Túlio se faz, a cada dia, exíguo.
Deleitosa, caminho até a montanha
E tu te fechas, tíbio, pesadas anteportas
Emergem do passeio a que me obrigo.
Não é tormento, Túlio. Sempre te enganas.
É essa fome de ti, esse amor infinito
Palavra que se faz lava na garganta."


"Túlio, não me pertenço mais.
Nem as palavras agora me pertencem.
Antes, são tuas, alma e a palavra
E dura dentro de ti vou me fazendo
Medo e muralha,
E se quiseres posso ser convento
E calar o meu verso, alimentar meu tempo
De corredores vazios e rosários.
Túlio, só de te ouvir o nome, desfaleço.
E a alma que sabia a entendimento,
De si mesma não sabe, nem do gozo
De te amar, que conhecia.
E se a ti, Túlio, te pertenço, ai, nunca mais
Do amor vou conhecer minha alegria.
Hei de fazer-me triste à imagem tua:
Hei de ser pedra e areia, soberba e solidão
Montanha crua."


"E circulando lenta, a idéia, Túlio,
Foi se fazendo matéria no meu sangue.
A obsessão do tempo, o sedimento
Palpável, teu rosto sobre a idéia

Foi nascendo

E te sonhei na imensidão da noite
Como os irmãos no sonho se imaginam.
Jungidos, permanentes, necessários
E amantes, se assim se faz preciso.

Tocar em ti. Recriar castidade
Não me sabendo casta, ser voragem
Ser tua, e conhecendo

Ser extensão do mar na tua viagem."


"A idéia, Túlio, vai se fazendo rubra
À medida que vou te refazendo."


"A idéia, Túlio,
É na verdade tudo o que me resta."


"Soergo meu passado e meu futuro
E digo á boca do Tempo que os devore.
E degustando o êxito do Agora
A cada instante me vejo renascendo

E no teu rosto, Túlio, faz-se um Tempo

Imperecível, justo
Igual à hora primeira, nova, hora-menina
Quando se morde o fruto. Faz-se o Presente.
Translúcida me vejo na tua vida
Sem olhar para trás nem para frente:
Indescritível, recortada, fixa."


"E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência"


"Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás."


"Embriaguez da vontade, Túlio
Sangue buscando a veia
É o que me faz perpétua.
Estrela sobre a testa
E de poesia plena
Vou te buscando imensa.

Embriagues de vontade, Túlio,
E os oponentes:
Tua pouca ciência, desafeto,
Exata em mim, minha maturidade.

E haverá louvor e recompensa
Para o amor incansável do poeta.
Dentro da sua soberba
Brioso de eternidade

Túlio, de pedra."


"Ama-me. Desvaneço e suplico. Aos amantes é lícito
Vertigens e pedidos. E é tão grande a minha fome
Tão intenso o meu canto, tão flamante meu precalo tecido
Que o mundo inteiro, amor, há de cantar comigo"


"Entendimento fatal
Demasia do gosto
Devo morrer agora

Se não me tomas.

Coração-corpo
Tão dilatado
Pulsando espesso

Se não me tomas
Vai-se o compasso
Do meu bater."


"Ao invés de vida
Te mando o gosto
Do meu morrer."


"Túlio viaja. A sós. E o tempo passa.
Túlio nos ares, asa, e amplidão,
E o poeta morrendo, a sós, na casa,
O coração nos ares".


[Hilda Hilst, Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão]

sábado, 13 de novembro de 2010

ULTA PASSO

O próximo passo é correr.

Até chegar ao fim. Quando recuperar o fôlego, sentir a energia viva para recomeçar. E a cada novo passo, possa ultrapassar todas as dimensões passadas.


Passos, passadas, ultrapassadas, passagens, passeio, passado...

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Não me atrevo a escrever uma só linha sobre ele. Aquele que tenho medo de sufocar com toda a minha abstinência do êxtase que me causa. Não vou transformar em palavras a dor de me adaptar ao vazio, ao ambiente monocromático, avesso à minha natureza. Tampouco tentarei dividir minhas buscas malucas pela paz da rotina completa. Eu sigo, secreta e contraditória.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

"A fome quando vem não dialoga
não faz yoga, não dança balé
A fome quando vem afoga
Não afaga, enfraquece a fé

A fome quando vem assola
Não brinca de roda nem faz cafuné
Não quer saber qual é a moda
Não se importa nem arreda o pé

Quando eu vejo você vem a fome
Bater na por lá de casa
Querendo saber
O que é que tem pra comer

Quem me olha, ignora
a panela vazia
Cheia de saudade
A verdade se encontra
Em cima da mesa
E o sol escorre através da peneira


A fome sem medida
A fome sem saída
Fome cega pra te ver
Fome do homem que é pura fome de viver"

[Em Nome da Fome, Maurício Baia]

terça-feira, 9 de novembro de 2010

RUBY

Minha cor preferida ainda é o azul, mas, como boa pisciana, inicio um ciclo vermelho.
Não resisto a doces, assim como aprecio os sabores suaves. Gosto de tempo fresco e de vento, mas acho ruim a falta de variação do clima. Sapatos têm que ser confortáveis, mas às vezes aperto o pé para subir no salto por umas horas... e sempre reclamo depois. Sou gulosa, para tudo. Não tenho grandes arrependimentos na vida, por mais que meus constantes impulsos me tornem uma errante convicta. Na verdade, não tenho tantas convicções assim. Mas o amor, os prazeres, as viagens, as vontades, a ternura, a felicidade e o engajamento sempre me moverão. Sou orgulhosa, teimosa, independente, mas sou humilde. Meu ego não é maior do que eu. Procuro colo, admito erros e compreendo as dores alheias, por mais que nunca as tenha sentido. Meu egoísmo é singelo, não prejudica, e meu altruísmo é amplo e atinge até quem não merece, mas me dedico a ser menos trouxa. Constatei que dignidade também é defender a si mesmo e cuidar para não ser vítima dos soberbos. Não gosto de desperdício e ser usada é desperdiçar minha energia. Já desperdicei muita energia e agora me empenho em reservar para mim o excesso dela. Ainda bem que o aprendizado existe. Aprender é infinito. Eu troco estabilidade por aprendizado. O certo pelo desconhecido. Toda novidade é uma chance, uma possibilidade de caminhos inéditos. Ineditismo não é tão raro, mas é incomum, difícil de alcançar. Não fica por aí dando sopa, mas às vezes dá dicas de sua existência nos acasos da vida. É preciso estar atento, mas também sempre vale a pena desfrutar da desatenção, da incosciência, para viver o inédito. O acaso guarda as melhores fatias da felicidade, mas na maior parte do tempo estamos buscando alguma coisa, constatando, explorando, fazendo acontecer. E isso também é essencial. Desaprender também faz parte da engrenagem. A maioria das coisas da vida podem ser mudadas, podem ganhar novas caras, delegações, significados. Até porque nada é absoluto. Tudo é multifacetado. Eu só faço o que eu quero. Se tenho que fazer algo que não quereria, trato logo de querer. Mas não consigo me lembrar de nada que fiz contra minha vontade.

"Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita."
[Carlos Drummond de Andrade]

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Ainda que as frases de minha rotina sejam singulares, minhas composições futuras surgem plurais, talvez pelo lirismo gratuito ou pelo sonho essencial...

Para o muito a dizer, não me sobram palavras. Consumidas pelos erros, de resto deixam as dúvidas. Verbos indiretos... nada se conjuga sem sujeito. As afirmações não resistem ao tempo, e as suposições vão longe, perseguindo o perdido pelos quilometros desmedidos do medo.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

DOIDA
doída

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Só quero o dia em que todos os dias a distância não dificulte a plenitude.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

"Se acaso estás distante de mim
Só penso em te buscar
O tempo fica horas sem fim
A me martirizar
A minha sinfonia de amor
Sofre uma pausa de dor
A natureza fica parada
Só penso em ti, mais nada
Meu sofrimento na tua ausência
Faz de um segundo horas mortais
Minha alegria esquece as horas
Se junto a mim tu estás"

"Eu não me canso de correr
Pra ver você chegar
Largo tudo lá pra trás
Pra ver você chegar
Eu me desdobro em outras dez
Pra ver você chegar
Eu nem sei do que sou capaz
Pra ver você chegar
Sou tua fã, te admiro e deixo transparecer
O meu afã em cada suspiro
E não sei o que dizer
Mas quero crer que um artifício
Faça desaparecer
A distãncia entre nós pode ser um tom de voz, um beijo
Ela pode ser mínima
Como a que separa a boca da buchecha
Pode ser cósmica como a que separa o que eu quero do que você deixa!"

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Cada promessa que jamais será cumprida
Uma desesperança

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

SOLIDÃO INVADIDA




Se eu não tivesse chegado em casa na noite passada, ninguém saberia. O provável, é que minha ausência começaria a ser sentida só depois das 14h, quando estivesse atrasada o suficiente para escrever a notícia de amanhã.

Ontem dirigi pela madrugada depois do rock à trabalho. "Ora quem é que não sabe o que é se sentir sozinho mais sozinho que um elevador vazio", a música embalava minha volta para casa.

O silêncio do estacionamento apressou meu passo e, quando me vi dentro do apartamento, passei a corrente e me tranquei. Alívio. Enfim, resguardada pelas paredes de meu próprio silêncio.

Tudo exatamente como deveria estar. Minha presença parada no tempo... Quebrada pelo espanto!

Meu vazio era parasitado! Mesmo que sorrateira, peguei no flagra a invasora de minha segurança.

Olhei para a barata, sei que ela me olhou. Após meu grito madrugal, a perseguição começou. E, antes que eu agisse, ela desbarateou por toda a sala.

"Vou te pegar, sua barata safada", avisei. Neste momento, ela tinha encontrado alguma brecha, mas nenhuma que eu não conhecesse.

Invadi todas elas com o veneno em spray, e não demorou para a cascorenta surgir à luz, agonizante.

Foi uma morte breve. Quase saciou meu orgulho - Não aceito ser esperada por uma barata.

No entanto, antes de recolher do chão o que restou da atrevida, tive de me contentar:
A solidão é intranquila. Resta-nos sonhá-la, enquanto o despertar não ocorre.

sábado, 18 de setembro de 2010

"Mas hoje eu só quero chorar
Como um poeta do passado
E fumar o meu cigarro
Na falta de absinto
Eu sinto tanto eu sinto muito eu nada sinto"

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

A saudade dói como a morte
só lhe falta o súbito
só lhe resta a esperança

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

"Idealizar é sofrer. Amar é surpreender." [M.M.]

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

"No te quiero sino porque te quiero
y de quererte a no quererte llego
y de esperarte cuando no te espero
pasa mi corazón del frío al fuego.
Te quiero sólo porque a ti te quiero,
te odio sin fin, y odiándote te ruego,
y la medida de mi amor viajero
es no verte y amarte como un ciego.
Tal vez consumirá la luz de Enero,
su rayo cruel, mi corazón entero,
robándome la llave del sosiego.
En esta historia sólo yo me muero
y moriré de amor porque te quiero,
porque te quiero, amor, a sangre y fuego."

[Neruda]

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"Guarde este recado: alguma coisa sempre faz falta. Guarde sem dor, embora doa, e em segredo"
[C.F.Abreu]

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Somos a recorrência do encontro
a ocorrência da partida
que afasta pelo espaço
e une pelo tempo

terça-feira, 24 de agosto de 2010

No fim das contas, talvez eu só precise de algo que me faça chorar. Como se as lágrimas promovessem um diálogo entre o eu de dentro e minha pele; entre os sentimentos e o tato; o etéreo e o profano...

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

"Tinha desejos violentos, pequenas gulas, urgências perigosas, enternecimentos melados, ódios virulentos, tesões insaciáveis. Ouvia canções lamentosas, bebia para despertar fantasmas distraídos, relia ou escrevia cartas apaixonadas, transbordantes de rosas e abismos. Exausto então, afogava-se num sono por vezes sem sonhos"
[Caio Fernando Abreu]

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

SECA

A
GOSTO

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

IN

Sou impulsiva. Para abocanhar o que quero, basta-me poder. Minha vontade é uma catapulta para me lançar aos objetivos, por mais altos que estejam. No entanto, também é capaz de me jogar de cara no chão, com força. Quando embarco no salto tenho apenas essas duas opções, certeiras e implacáveis. Não há sutilezas nos impulsos. E aqueles que não se cansam de voar e nem de cair têm um esteriótipo único: cara quebrada num corpo alado.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

CASCA GROSSA




O inverno seco deste planalto torna as coisas ainda menos lineares, com todos seus constrastes. O azul intenso do céu, a grama seca entre o concreto, o negro tortuoso das árvores do cerrado tocadas pelo fogo, e a surpresa dos ipês amarelos no meio de tudo.
O cerrado é sobrevivente. Resiste ao fogo com imponência. É forte em suas tortuosidades. Mais que desigual, é único. Solidão, distância, aspereza... conjunto, união incomum. Sua beleza é surpresa, privilégio de quem se aproxima...

terça-feira, 3 de agosto de 2010

"tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiu

tudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas"

[Caio Fernando Abreu]

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

"Pouco rimo tanto com faz.
Rimo logo ando com quando,
mirando menos com mais.
Rimo, rimas, miras, rimos,
como se todos rimássemos,
como se todos nós ríssemos,
se amar (rimar) fosse fácil.

Vida, coisa pra ser dita,
como é fita este fado que me mata.
Mal o digo, já meu siso se conflita
com a cisma que, infinita, me dilata".

[Ímpar ou Ímpar, Paulo Leminski]

domingo, 1 de agosto de 2010

PARA ATRAVESSAR AGOSTO

"Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro - e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco. É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto (...). Este é um ponto importante: ir, sobretudo, em frente.


Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir. Dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons deixam a vontade impossível de morar neles; se maus, fica a suspeita de sinistros augúrios, premonições. Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. (...). Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos.


(...)


Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se a vida não deu, ou ele partiu - sem o menor pudor, invente um. (...). Remoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún, ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros, juras, projetos, abraços no convés à luz da lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.


Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se ou lamuriar-se, e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques - tudo isso ajuda a atravessar agosto. (...). É isso mesmo; evasão, escapismos. Assumidos, explícitos.


Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente não se deter demais no tema. Mudar de assunto, digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:."


[Caio Fernando Abreu]

terça-feira, 27 de julho de 2010

"(...) Seu grão de angústia amor já me oferece
na mão esquerda. Enquanto a outra acaricia
os cabelos e a voz e o passo e a arquitetura
e o mistério que além faz os seres preciosos
à visão extasiada.

Mas, porque me tocou um amor crepuscular,
há que amar diferente. De uma grave paciência
ladrilhar minhas mãos. E talvez a ironia
tenha dilacerado a melhor doação.
Há que amar e calar.
Para fora do tempo arrasto meus despojos
e estou vivo na luz que baixa e me confunde."

[Canpo de Flores - Carlos Drummond de Andrade]

Engano-me
Não sou nova
Sou novamente

terça-feira, 20 de julho de 2010

DESACOSTAMENTO

A impessoalidade me faz bem. Preciso me afastar para enxergar as nuances, as formas que de perto não consigo perceber.
Assim, como agora, longe de minha rotina, do que me é familiar, daqueles com quem tenho um passado, pude configurar minha vida.
Preciso refazê-la com força. Não há mais tempo para procrastinações, conceções. The game is over. The dream is new.
Pé no acelerador. O tempo perdido é irrecuperável... Vou atrás do tempo novo. Vento no rosto, restrovisor largo, tanque cheio, faróis altos, caminho próprio. Reinvento minha viagem, faço novas passagens. Coração bate selvagem, a pressa me alcançou.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

quando estou com você
fico mais em mim

domingo, 4 de julho de 2010

I WANT IT ALL

Eu acredito nas mudanças. Acredito mesmo, pago para ver. Sou uma pessoa de fé, com humanidade. Corro o risco, ciente, e este não tem mais importância que minha crença.
Posso demorar a me convencer, precisar ver para crer, tocar para sentir... mas quando minhas certezas são maiores que as dúvidas, eu construo e dou crédito com generosidade e afeto, sou entregue.

"Ninguém muda", ouço dos desistentes. Ora, como não?! Eu mesma me transformei inúmeras vezes, dentro de poucos meses. Desviei caminhos, fui velocista na estrada do excesso, desbravadora da mata seca e escura da razão, fadigada caminhante das margens da exceção, carona da loucura... e agora, plena moradora curiosa do palácio da sabedoria.
Se eu, demasiada humana que sou, comprovo ser capaz de transformações e adaptações das circunstâncias, não desconfio da capacidade alheia...

terça-feira, 29 de junho de 2010

a razão, a lógica, a circunstância,
dizem que não há o que pensar
ora, racionalidade

prefiro a contradição do sentimento.
penso, esqueço, me entrego e duvido
eis a grande questão

terça-feira, 22 de junho de 2010

"Muitas vezes, foi o medo quem me tomou pela mão e me levou. O medo me leva ao perigo. E tudo o que eu amo é arriscado"
[Clarice Lispector]

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Eu preciso de uma coisa qualquer que ainda não descobri
Um poema não alcançou minhas retinas
Um sabor que minha lingua não tocou...
Uma revolução ou uma sutileza... mais uma incerteza?
Não sei... quanto mais me acontece, em tudo que eu reviro e mudo... eu me perco
até encontrar um novo mistério

sexta-feira, 11 de junho de 2010

cometa
uma palavra de mim

"Somos o que há de melhor
Somos o que dá pra fazer
O que não dá pra evitar
E não se pode escolher"


[Engenheiros do Havaí]

"destruindo a razão nesse beco sem saída"

sábado, 5 de junho de 2010

Dói a brasa na pele
Afaga a fumaça do fogo

METÁFORA OPTATIVA

Quero chocolate. Para forrar meu desejo, parto em busca do prazer no frio que se aproxima da meia noite. Entro na conveniência (bom nome) e tenho uma prateleira de opções. Algumas caras demais, amargas demais. Outras costumeiras demais.
Ignoro o Bis, aquela caixa cheia de mais do mesmo, em série, que eu devoro de uma vez. Não que eu não goste, é um dos meus preferidos... Mas não era isso.
As barras de chocolate não me apetecem, porque quero mais que chocolate.
Eu quero doses, um pouco de tudo ao mesmo tempo, imediatamente. Texturas, cores, ingredientes...
Deixo meus olhos descerem mais. Uma caixa de bombons me parece ideal. Quantidade bastante, variedade, embrulhadinhos... humm... Mais escolhas, repetições poucas... Perfeita para meu momento de ficção, na solidão gostosa do quarto escuro.
Paguei e ainda levei um sorvete de banana, porque eu queria mais que bombons.

domingo, 30 de maio de 2010

LUZ DEL FUEGO

Ainda não entendi a velocidade de meu coração. Para mim, ele ainda é partido. Parte ida, parte fragmentada ao fim de cada dia.
Desde que você partiu - todas as vezes -, ele não deixou de sangrar. Sobreviveu com doses de vida, que recebia a cada breve encontro.


Eu fui tanto coração que, por vezes, me faltaram os pulmões para respirar aliviada, faltava fôlego. Faltou muito. Faltou a presença e, com a falta dela, faltaram as palavras, as atenções, os carinhos, a segurança de que tanto sofrimento não era injusto.
E necessito me lançar, mergulhar, sentir... Mas passei a ser cautelosa demais, pois tudo pareceu perigosamente raso.


Eu quis me preservar. Quis recuperar a leveza, secar as lágrimas, aproveitar o momento, tentar ser independentemente feliz. Tomei meu próprio amor... Nunca foi o bastante, mas dava a sensação de suficiência. Eu pude continuar.


Pra você, que parecia viver tão bem os momentos tão seus, guardei sempre o afeto, verdadeiro e inegável - esse que alfineta meu peito por dentro agora.
Guardei muito mais na melhor parte de meu coração - daquele, partido. Por isso jamais poderia negar-te, tampouco o amor.


Estava levando bem as coisas quando você voltou a passar por aqui. Mas, antes mesmo de você chegar, sabia que sua passagem deixaria marcas... No entanto, o que seria mais uma cicatriz perto dos dias que passaria maravilhada com sua presença?


Ainda assim, eu não esperava o que veio. Foi uma surpresa tanta entrega, tantas palavras, promessas, propostas, sonhos... Uma avalanche de amor, do qual eu não estava preparada para receber. De você, sempre recebi o amor em sutilezas... Que, talvez, tenha se tornado imperceptível diante do meu êxtase em amar-te.


Queria que você não tivesse ido embora... nenhuma das vezes. Queria que você tivesse se jogado em nosso amor no momento em que eu caia, sentindo-me imprudente. Queria que você tivesse reconhecido. Queria evitar todas essas lágrimas e o sofrimento que voltou.
Fiz tantas escolhas por nós, e, atordoada, não tenho condições de discernir o que eu sou, o que eu fui, e onde posso ir por nós. Tudo é difícil, pois o "nós" ainda me parece a iminência da solidão.


Por mais que eu acredite e sinta toda a beleza e convicção de sua nova descoberta de nosso amor, não posso trocar minha realidade adequada por ele.
Não se trata de vingança, jamais sentiria um desejo desses por ti. Trata-se, talvez, de um compromisso comigo mesma, de não abandonar-me. Esses tempos em que segui independente, foi uma época de plantio. Não posso abandonar minha plantação justo na época da colheita. Ficaria em pendência comigo mesma.
Também não posso voltar à situação anterior. Eu não conseguiria, não sou tão forte assim. Seria como voltar ao terreno dos sofrimentos, com a certeza de muitas dúvidas.


Saber que tenho uma companhia te machuca, sei. Mas, ele é só isso, uma companhia. E é isso que eu sou para ele. Não tenho amor para lhe dar pois isso é só seu.
Uma companhia é um método para eu continuar... E eu lutei muito tempo para poder seguir em frente, como desse.


Eu nunca quis aprisionar seu coração, querido. Também nunca quis devolvê-lo. Assim como, mesmo achando o contrário, você carrega o meu. Aprendi a viver assim, com meio coração... Por isso, depois de você, nunca pude entregar meu amor a ninguém. Queria que você pudesse viver assim também, até que um dia o universo nos arranjasse, novamente, a oportunidade de os unirmos, inteiramente.


Mas você não sabe ficar com metades.


Saber do seu sofrimento me machuca mais que eu própria sofrer. Eu queria tanta coisa... Mas, diante de tudo o que habita meus desejos com você, está a urgência de curar-te. Dolorida, resta-me libertar-te. Abro as mãos diante do horizonte, onde o sol se põe, e deixo retornar a ti a melhor parte do seu coração. Que ele te complete e te ajude a seguir. Sei que, apesar das dificuldades, você triunfará, mesmo que isso signifique encontrar alguém que fique ao seu lado. Ainda que isso seja perder-te por inteiro...

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Você me assusta, às vezes, sorrateiramente. É um suspense, bem como as coisas entre nós, suspensas. Minha vida, no geral, também tem sido assim. Isso me traz boas emoções. E você faz parte disso. É responsável por muitas das palpitações de meu peito.

Mergulhada em seu mistério, me sinto como se tivesse todo o tempo do mundo. Ao mesmo tempo em que vivo como se tão logo tudo fosse se fragmentar...


quarta-feira, 12 de maio de 2010

A dor molhada de minhas lágrimas inundou a leveza das cinzas do meu pensamento. Num instante, o que se pensou e o que doeu transformaram-se numa só mancha no cinzeiro de meu dia.

terça-feira, 11 de maio de 2010

DAMA DA NOITE

"Nem é você que eu espero, já te falei. Aquele um vai entrar um dia talvez por essa mesma porta, sem avisar. Diferente dessa gente toda vestida de preto, com cabelo arrepiadinho. Se quiser eu piro, e imagino ele de capa de gabardine, chapéu molhado, barba de dois dias, cigarro no canto da boca, bem noir. Mas isso é filme, ele não. Ele é de um jeito que ainda não sei, porque nem vi. Vai olhar direto para mim. Ele vai sentar na minha mesa, me olhar no olho, pegar na minha mão, encostar seu joelho quente na minha coxa fria e dizer: vem comigo. É por ele que eu venho aqui, boy, quase toda noite. Não por você, por outros como você. Pra ele, me guardo. Ria de mim, mas estou aqui parada, bêbada, pateta e ridícula, só porque no meio desse lixo todo procuro o verdadeiro amor. Cuidado, comigo: um dia encontro.


Só por ele, por esse que ainda não veio, te deixo essa grana agora, precisa troco não, pego a minha bolsa e dou a fora já. Está quase amanhecendo, boy. As damas da noite recolhem seu perfume com a luz do dia. Na sombra, sozinhas. envenenam a si próprias com loucas fantasias. Divida essa sua juventude estúpida com a gatinha ali do lado, meu bem. Eu vou embora sozinha. Eu tenho um sonho, eu tenho um destino, e se bater o carro e arrebentar a cara toda saindo daqui. continua tudo certo. Fora da roda, montada na minha loucura. Parada pateta ridícula porra-louca solitária venenosa. Pós-tudo, sabe como? Darkérrima, modernésima, puro simulacro. Dá minha jaqueta, boy, que faz um puta frio lá fora e quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia, fechada sozinha perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada".
[Caio Fernando Abreu]



Talvez passar pelos tempos de Dama da Noite faça parte das buscas desencontradas da vida. Não se sabe se é procura, ou se é espera. Mas trata-se de uma noite após outra, de loucura sonhada, de sonhos loucos... Possibilidades desfrutadas pelo ser impossível.
O amor é o encontro.


sexta-feira, 7 de maio de 2010

Talvez eu esteja sob uma espécie de anestesia sofisticada. Ainda não descobri o quão eficiente é, mas além de anular a dor, acentua as alegrias e prazeres...

quarta-feira, 5 de maio de 2010

VIDA

As palavras me têm fugido. Passam tão rápido que a escrita não as alcança.
Assim como minha vida. Às vezes, os momentos ultrapassam a necessidade de entendimento. E eu me rendo à não compreensão e à vida como ela chega.

Uma harmonia silenciosa. Uma desnecessidade. Uma urgência. Uma entrega. Uma simplicidade consistente, amor latente, sorriso fácil, experimento de si.

Eu aprendo. Eu vivo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

"Você se foi
Você partiu
Você partiu meu coração

Me senti uma andorinha baleada na asa

Eu quero que você vá pra bem longe
pra Sumatra ou Jacarta
Eu quero que você vá pra Ohio
Eu quero que você vá pra o raio
que o parta"

[Zeca Baleiro]

terça-feira, 20 de abril de 2010

CAIO F. EM TRECHOS

"todos me dizem que sou demais precipitado, que coloco em palavras todo o meu processo mental e que isso assusta as pessoas, e que é preciso disfarçar, jogar, esconder, mentir. Eu não queria que fosse assim. Eu queria que tudo fosse muito mais limpo e muito mais claro"

"Não conseguia compreender como conseguira penetrar naquilo sem ter consciência e sem o menor policiamento: logo eu, que confiava nos meus processos, e que dizia sempre saber de tudo quanto fazia ou dizia. A vida era lenta e eu podia comandá-la. Essa crença fácil tinha me alimentado até o momento em que, deitado ali, no meio da manhã sem sol, olhos fixos no teto claro, suportava um cigarro na mão direita e uma ausência na mão esquerda. Seria sem sentido chorar, então chorei enquanto a chuva caía porque estava tão sozinho que o melhor a ser feito era qualquer coisa sem sentido. Durante algum tempo fiz coisas antigas como chorar e sentir saudade da maneira mais humana possível: fiz coisas antigas e humanas como se elas me solucionassem. Não solucionaram"

"Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido.Eu prefiro viver a ilusão do quase, quando estou "quase" certa que desistindo naquele momento vou levar comigo uma coisa bonita. Quando eu "quase" tenho certeza que insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a certeza de ter acabado em dor."

"Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas... Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo."

terça-feira, 13 de abril de 2010

"E vou viver as coisas novas
Que também são boas
O amor, humor das praças
Cheias de pessoas
Agora eu quero tudo
Tudo outra vez..."
[Belchior]

domingo, 4 de abril de 2010

O tempo voa... E talvez voe da mesma maneira para todos, pois não soa nenhuma novidade.
Quando vejo, tenho amizades de dez anos, e não são de infância.

Fazem dois anos que nos distanciamos. E, quando te vejo, de longe, com formalidade, tenho curiosidade. A formalidade é só da situação, pois jamais conseguirei tratar-te com ela.

Assim, de vista, dá pra ver que muita coisa não mudou. E talvez nunca mude... Certas coisas permacem pra sempre.
Queria descobrir no que te transformastes, o que ficou. Se saberia reconhecer-te de perto, com intimidade. Pelo o que teu coração pulsa agora. E se passou teu efeito sobre mim, se és capazes de causar-me algo novo.
Ou talvez não. Talvez seja apenas mais uma curiosidade leviana de experimentação, pois acho que não quero nada com isso.

Ando testando a superficialidade das coisas, intensamente, como deve ser.
Acabo mergulhando, vou o mais fundo que a vontade me leva. Mas só sei fitar as descobertas, não me entrego.
Já me entreguei tanto.
Acho que quero-me para mim, um pouco mais. Buscar o auto entendimento, a autosatisfação, me dominar e me libertar ao mesmo tempo. Talvez só depois disso, quem sabe, o outro poderá me contentar. Talvez, só assim, nunca mais nada me falte.
Independência.

"Você pode ir embora e nunca mais ser a mesma. Você pode voltar e nada ser como antes. Você pode até ficar, pra que nada mude, mas aí é você que não vai se conformar com isso"

quinta-feira, 1 de abril de 2010

PARAÍSO REAL (ARTIFICIAL?)

"Você devia se arriscar Em braços proibidos Tentar se aventurar Mandar tudo pro inferno Provar novos pecados Deixar de ter juízo E acordar ao meu lado"

O paraíso é quando você manda tudo pro inferno.
Ando exercitando minha vontade. Afinal, ela sempre foi meu maior potencial...

"Deveríamos tirar a certeza de uma existência melhor e a esperança de alcançá-la mediante o exercício cotidiano da nossa vontade"

EM BUSCA DO OUTRO

"Não é à toa que entendo os que buscam o caminho. Como busquei arduamente o meu! E como hoje busco com sofreguidão e aspereza o meu melhor modo de ser, o meu atalho, já que não ouso mais falar em caminho. Eu que tinha querido. O caminho, com letra maiúscula, hoje me agarro ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre as árvores, o atalho onde eu seja finalmente eu, isso não encontrei. Mas sei de uma coisa: meu caminho não sou eu, é outro, é os outros. Quando eu puder sentir plenamente o outro estarei salva e pensarei: eis o meu porto de chegada."

[Clarice Lispector]

terça-feira, 23 de março de 2010

Dia após dia e um desejo incessante de libertar-me
sem saber do que
mas nas noites eu me livro
e nada mais exige por quê

segunda-feira, 22 de março de 2010

DESASSOSSEGO

" (...) inquietação que nos torna insuportavelmente exigentes com a gente mesmo e a ambição de vencer não os jogos, mas o tempo, este adversário implacável.
Desassossegados do mundo correm atrás da felicidade possível, e uma vez alcançado seu quinhão, não sossegam: saem atrás da felicidade improvável, aquela que se promete constante, aquela que ninguém nunca viu, e por isso sua raridade.
Desassossegados amam com atropelo, cultivam fantasias irreais de amores sublimes, fartos e eternos, são sabidamente apressados, cheios de ânsias e desejos, amam muito mais do que necessitam e recebem menos amor do que planejavam.
Desassossegados pensam acordados e dormindo, pensam falando e escutando, pensam ao concordar e, quando discordam, pensam que pensam melhor, e pensam com clareza uns dias e com a mente turva em outros, e pensam tanto que pensam que descansam.
(...)
Desassossegados vestem-se de qualquer jeito, arrancam a pele dos dedos com os dentes, homens e mulheres soterrados, cavando uma abertura, tentando abrir uma janela emperrada, inventando uns desafios diferentes para sentir sua vida empurrada, desassossegados voltados pra frente.
Desassossegados desconfiam de si mesmos, se acusam e se defendem, contradizem-se, são fáceis e difíceis, acatam e desrespeitam as leis e seus próprios conceitos, tumultuados e irresistíveis seres que latejam.
Desassossegados têm insônia e são gentis, lhes incomodam as verdades imutáveis, riem quando bebem, não enjoam, mas ficam tontos com tanta idéia solta, com tamanha esquizofrenia, não se acomodam em rede, leito, lamentam a falta que faz uma paz inconsciente.
Desta raça somos todos, eu sou, só sossego quando me aceito".
[Martha Medeiros]

terça-feira, 16 de março de 2010

FLASHS

Vícios, velocidade, Agora. Viver a 300 km/h.

A estrada nunca é reta, por isso não há tédio. Mas há de se ter cuidado, muito, para não entrar rápido demais no que requer precaução, apurada atenção.

No mais é preciso saber a hora de reduzir, mesmo que a pista esteja favorável, para olhar ao redor, admirar, absorver, se encantar com os detalhes.

Outras vezes é imprescindível parar, apagar. Abastecer de seu combustível primordial. Sentir a terra, se reconstituir. Assim, seguir viagem com vigor.

Porque a velocidade e os vícios nunca podem ser ao extremo por muito tempo. Não acaba bem. E o Agora... ora, não há nada mais eterno do que isso. Só importa que ele passe da melhor forma possível, independente.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Eu, quando triste, me entrego. Toda. De corpo, alma, lágrimas e soluços. Faço cena.
Ligo um blues, bebo vinho, me contorço. Desarrumo a cama, mancho o travesseiro. Apago a luz e sento no chão, gelado.
Depois, eu encaro no espelho a face inchada. Vejo os olhos vermelhos, efeitos da alma lavada - tudo passa.
Acendo meu cigarro, esvazio a mente e sorrio. Sou feliz novamente e ninguém viu.

sexta-feira, 12 de março de 2010

"O que me importa
Seu carinho agora
Se é muito tarde
Para amar você...

O que me importa
Se você me adora
Se já não há razão
Prá lhe querer...

O que me importa
Ver você sofrer assim
Se quando eu lhe quis
Você nem mesmo soube dar
Amor!...

O que me importa
Ver você chorando
Se tantas vezes
Eu chorei também...

O que me importa
Sua voz chamando
Se prá você jamais
Eu fui alguém...

O que me importa
Essa tristeza em seu olhar
Se o meu olhar tem mais
Tristezas prá chorar
Que o seu!...

O que me importa
Ver você tão triste
Se triste fui
E você nem ligou...

O que me importa
Seu carinho agora..."

[O que me importa - Marisa Monte]

quinta-feira, 11 de março de 2010

"Pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas às vezes sem saber por que, não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas pelo prazer de mergulhar…"
[Por Caio Fernando Abreu]

quarta-feira, 10 de março de 2010

Aprendi que quando os pensamentos começam a confundir, é hora de adormecer... Os pensamentos, a confusão, a vida ou a causa.

"Fico tão cansada às vezes, e digo pra mim mesma que está errado, que não é assim, que não é este o tempo, que não é este o lugar, que não é esta a vida. E fumo, e fico horas sem pensar absolutamente nada. Claro, é preciso julgar a si próprio com o máximo de rigidez, mas não sei se você concorda, as coisas por natureza já são tão duras para mim que não me acho no direito de endurecê-las ainda mais."
[Caio Fernando Abreu]

"Talvez um voltasse, talvez o outro fosse. Talvez um viajasse, talvez outro fugisse. Talvez trocassem cartas, telefonemas noturnos, dominicais, cristais e contas por sedex (...) talvez ficassem curados, ao mesmo tempo ou não. Talvez algum partisse, outro ficasse. Talvez um perdesse peso, o outro ficasse cego. Talvez não se vissem nunca mais, com olhos daqui pelo menos, talvez enlouquecessem de amor e mudassem um para a cidade do outro, ou viajassem junto para Paris (...) talvez um se matasse, o outro negativasse. Seqüestrados por um OVNI, mortos por bala perdida, quem sabe. Talvez tudo, talvez nada."

[Caio Fernando Abreu]

sexta-feira, 5 de março de 2010

SEMIÓTICA DO AVESSO

Às vezes me ponho a observar coisas esmas que cruzam minha rotina. Passagens e costumes que nem chegariam a configurar minha percepção.

Estava lendo sobre João Cabral de Melo Neto, uma figura literária da qual o mundo eu ainda começo a adentrar. Ele se apegava ao concretismo em busca de equilibrar sua instabilidade emocional. Isso fez um sentido imenso para mim e me identifiquei.

Todos nós temos cascas e isso não torna ninguém mais impuro. Faz parte da identidade, há sempre uma coisa atrás da outra em nossa personalidade - e não estou falando de máscaras. Estou falando de ser "o avesso do avesso do avesso do avesso".

Acho ótimo poder constatar esse tipo de coisa. É uma forma de ganhar densidade na vida, aprender sobre si mesmo e compreender melhor os outros.

Meu quarto sou eu. Cheguei a essa conclusão após uma espécie de análise semiótica sobre ele.

Guardo muito coisa nele, mesmo. Mas sempre e cada vez mais me ocupo de dispensar o que não faz mais sentido. Ainda assim, é excessivo e nunca deixará de ser.

Cada coisa tem seu devido lugar, o que lhe dá um aspecto organizado, e o mantenho assim. Entretanto, ha muita coisa inacabada. Se algo em mim me atrapalha na vida é a procrastinação.

Por exemplo, não tardei em retirar algumas fotos que não faziam mais sentido de meu "móbile fotográfico", mas até hoje não me dei o trabalho de colocar novas imagens. Assim como as contas pagas que não foram parar na pasta, os bloquinhos de anotações que não foram para o lixo e as revistas sem coleção que não se juntaram às outras solitárias em sua respectiva prateleira.

Minha alma é assim, mas o avesso do avesso do avesso do avesso disso.
O inacabado tem uma áurea eterna.

"Eu me lembro
de você ter falado
Alguma coisa sobre mim
E logo hoje, tudo isso vem à tona
E me parece cair como uma luva
Agora, num dia em que eu choro
Eu tô chovendo muito mais do que lá fora
Lá fora é só água caindo
Enquanto aqui dentro, cai a chuva

E quanto ao que você me disse
Eu me lembro sorrindo
Vendo você tão séria
Tentar me enquadrar, se sou isso
Ou se sou aquilo
E acabar indignada, me achando totalmente impossível
E talvez seja apenas isso:
Chovendo por dentro
Impossível por fora

Eu me lembro de você descontrolada
Tentando se explicar
Como é que a gente pode ser tanta coisa indefinível
Tanta coisa diferente
Sem saber que a beleza de tudo
É a certeza de nada
E que o talvez torne a vida um pouco mais atraente

E talvez, a chuva, o cinza,
O medo, a vida, sejam como eu
Ou talvez , porque você esteja de repente,
Assistindo muita televisão

E como um deus que não se vence nunca
O seu olhar não consegue perceber
Como uma chuva, uma tristeza, podem ser uma beleza
E o frio, uma delicada forma
De calor"
[Lobão]

quarta-feira, 3 de março de 2010

"O que a memória ama
fica eterno. Te amo com a memória, imperecível".
[Adélia Prado]

VÃO

Nunca poderei ser em vão, passar em vão, sentir em vão, estar em vão.
Eu preciso compreender, antes que o que me reste seja um vão na alma,
um vácuo nas horas que tira o fôlego e o sentido das coisas.

Minha harmonia não suporta concessões;
Meu equilíbrio não cabe nas faltas;
Minha liberdade não se encaixa imposições.

Aprendo a adequar as coisas que posso mudar aos acontecimentos da vida, às necessidades do espírito.

Minha felicidade não tem regras.

"Não discuto com o destino
o que pintar eu assino". (Paulo Leminski)

SOLTAR

Verbalizar?
Não, prefiro ficar com os sorrisos
discretos, descarados, desavergonhados
sentir sair os risos por entre os dentes
no intervalo de macias mordidas.
Eu prefiro acontecer
e conhecer
e passar e ir
e só ser
quase sem querer
mas gostando

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

"Nosso amor ridículo se enquadra na moldura dos séculos"

"Nosso amor ridículo se enquadra na moldura dos séculos
Sugo espirais das nuvens de cigarro que fumo
Sofro baforadas-caramujo por entre volutas do universo
Eu, pequenino grão de areia-poeta, plasmo rima aliteração
metáfora oximoro verso
Pasto palavra: quinquilharia ninharia palácio do nenhures
ó castelo
De vento
pastel de brisa
monte de ganga bruta
Estuário de buginganga nonada
Em confronto com manadas miríades d´estrelas espoucadas
Sobre os sete diferentes mares que sete espelhos são para
algum mar
Absoluto
(roma e baalbeck e bagdad e babilônia e babel sideral)
E é nosso amor tão diminuto
lampejo de segundo
relâmpago dissoluto
Filete dum rio minúsculo
Microscópio leito
Amor .....................................................nosso século:
Buraco negro sorvedouro de vulto aroma luz
Bagaços de rolha bolha borra porra pó
Bebo vinho precioso com mosquitos dentro
muriçoca maruim potó"

[Waly Salomão]

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

"Criaturas que derretem-se, entregam-se, consomem-se e não sabem negar-se costumam trazer um sorriso enigmático nos lábios. Alguma recompensa há de ter."
[Martha Medeiros]

sábado, 30 de janeiro de 2010

TEMPO

Agora a pouco comecei assisir a um daqueles filmes que vimos num fim de semana. Naquele tempo em que era rotina irmos à locadora em busca de belas tramas que jamais havíamos visto. Deitados no sofá ou na cama, assistíamos de Almodóvar a David Lynch, com ou sem pausas para desejos mais urgentes e antes ou depois de nossa viagem particular.

Após sua partida, eu fui sozinha, diversas vezes, à locadora escolher boas histórias em fins-de-semanas ou em noites entediantes de sexta- feira. Tentava provar a mim que tal programa rotineiro poderia ser tão apaziguador na solidão como era ao seu lado. E que ele, por si só, poderia ser uma ótima companhia. Quem sabe me tornaria uma viciada em cinema capaz de ter experimentado os mais raros prazeres da sétima arte.

Não deu certo. Tornou-se inevitável e descabido deixar o ambiente escuro apenas para mim. Além de tudo perceber que o que menos queria era estar sozinha. As tentativas não funcionaram porque pareceu doentio depois de alugar o filme que eu jamais vira porque você já o havia feito, fumar sozinha nosso cigarro e, antes da metade da história, esquece-la para saciar sua ausência carnal como se você estivesse ali.

Apesar de sentir sua ausência presente em tantas fases de meu dia, nunca me deixei crer nela. Fazia-me acreditar que tudo ficaria bem, que nada seria trágico. Do futuro, eu estava certa. Mas meu presente era um tanto melancólico e saudoso, e eu o negava. Fingia lidar bem com a solidão que eu ficara.

Neguei a saudade sua por muito tempo para parecer mais forte. Isso teve suas desvantagens, mas surtiu seus efeitos.

Hoje sou o resultado de todas as tentativas de manter-me bem e não choro quando você não está. Não sem um sorriso e certa calma. Pois eu já sei como é. E, sem remoldar minhas novas horas àquelas nossas, tenho meu próprio tempo. A rotina fica mais fácil quando não se finge. Quando não tenta-se burlar, esconder, esquecer, substituir, negar, enfim, essas coisas que se faz quando nada-se contra a corrente do destino.

Por muito tempo talvez eu tenha tido inveja de você. Me convencera que eu havia assumido o fardo mais pesado da sua partida por ter ficado com o que sobrou, com o que foi deixado para trás. Isso enquanto você ganhara lugares dos quais eu não faria parte, onde eu não passaria de uma exceção.

Atualmente - e não faz tanto tempo assim - estou satisfeita, consolidada, eu diria. Tenho meus planos, minha vida, minhas vontades e penso sempre em você... Estamos juntos como podemos e isso basta. Eu me adaptei. Esperava que mais cedo ou mais tarde isso acontecesse. E aconteceu quando eu parei de ter pressa e de me preocupar se te perdia ou não.

Agora eu escrevo como quem fala na cama, antes de dormir, com alguém que não está mais - e nunca mais estará. Mas eu escrevo, não falo e você sempre estará. E essas palavras não serão jogadas ao vento como as lamúrias de outros tempos. Não espero nada, pois pouco importa o que ainda não veio. Interessa que eu viva todos os sentimentos existentes nesse exato momento. As coisas se simplicam quando reduzimos a marcha e encontramos o ritmo dos acontececimentos.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"Naquelas horas, ver minhas obras assinadas por estranhos me dava um prazer nervoso, um tipo de ciúme ao contrário. Porque para mim, não era o sujeito quem se apossava da minha escrita, era como se eu escrevesse no caderno dele. Anoitecia e eu tornava a ler os fraseados que sabia de cor, depois repetia em voz alta o nome do tal sujeito, e balançava as pernas e ria à beça no sofá, eu me sentia tendo um caso com mulher alheia. E se me envaidecem os fraseados, bem maior era a vaidade de ser um criador discreto. Não se tratava de orgulho ou soberba, sentimentos natualmente silenciosos, mas de vaidade mesmo, com desejo de jactância e exibicionismo, o que muito valorizava minha descrição". (Chico Buarque, Budapeste, 17, 18)

Essa é uma das melhores passagens do livro do Chico. Ao menos foram frases que me pareceram tão intensas na descrição de um sentimento raro que me fizeram voltar à página delas várias vezes.
Imagino que, diferente da maior parte do livro - como é natural -, esse trecho saiu assim, bruto, naquelas doses extremas de entrega à obra.
Nesse momento entende-se Costa (o narrador) e ele passa a parecer menos rude.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

AFAGA-ME.

"Nos demais – eu sei,
qualquer um o sabe –
O coração tem domicílio
no peito.
Comigo
a anatomia ficou louca.
Sou todo coração – em todas as partes palpita.
Oh! Quantas são as primaveras
em vinte anos acesas nesta fornalha!
Uma tal carga acumulada
torna-se simplesmente insuportável.
Insuportável
não para o verso
de veras".

"Encho-me dum leite de versos e,
sem poder transbordar,
encho-me mais e mais."


[Maiakóvski]

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Melhor ser culpado que um vil inocente.

É corajoso ter culpa sobre a vida. Saber que minhas ações, pensadas ou não, moveram acontecimentos.

Melhor assim, acumular culpas. Pois ser vítima é passividade, embora isso seja muitas vezes inevitável.

Porque eu errei, eu causei, eu quis. Ou porque eu evitei, eu não resisti, não me importei, esqueci.

Todos somos culpados na vida e muitos nos arrependemos. Porém a culpa é única, indivizível. Arrependimento não vale a pena.

Entretanto, assumir culpas é me assumir. Isso facilita o processo do autoconhecimento. É não apenas aceitar, mas entregar-me a mim mesma. É ser irremediavelmente culpada de o que sou.

Mais do que feita de erros e acertos, sou radicalmente culpada de minhas buscas. Eu me culpo por elas e me culpo por ser culpada.

Culpa, neste caso, não é um fardo. Ela torna-se um peso nas costas quando é repelida, no entanto não há como nos afastarmos dela. Quando se é culpada de algo, o é para sempre. O destino, o passo seguinte e, por consequência, todos os próximos rumos, são atingidos por isso.

Quando enxergamos o livre-arbítrio sobre as atitudes, tudo é facilitado. Os riscos tornam-se claros, assim como as consequências. Torna-se lúcido o caminho.

Sempre vai surgir uma culpa ou outra que não seja esperada. Algo para o qual não me sinta preparada. Esses são os momentos de prova nos quais deve-se ter apenas a certeza de que, em algum momento, o que quer que seja será superado e agregado à vida. Sempre haverá um lugar; tudo se acomoda.

Eu sou a favor das culpas. Sou eternamente responsável pelas minhas culpas verdes, azuis, vermelhas... essas que transparecem a vida.

A inocência, meu caro, é leitosa demais .

"(...) não perdi a ingenuidade.
É um vício necessário. Talvez o que faço melhor. Fico pronto para me despedaçar.

Não estou sozinho. Recebo companhia a cada minuto na nau dos insensatos.
No amor, em algum momento, você terá que ser ingênuo e acreditar. Terá que largar uma vida, refazer sua vida. Terá que abandonar a filosofia pessimista, a inteligência solteira do botequim e se declarar apaixonado. Terá que ser incoerente, contradizer fundamentos inegociáveis. Terá que rasgar a certidão negativa, a proteção bancária, os manifestos de aversão ao casamento e filhos.
Não dá para ser esperto sempre. Não dá para ser experiente sempre. Don Juan e Casanova também se quebraram. Napoleão e César também foram derrotados na intimidade. A ingenuidade é um poder terapêutico. Nada pode ser mais traumático e mais libertador dos costumes. É um instante definitivo e raro no relacionamento. Quando confiamos que será diferente, que somos eleitos por uma constelação de símbolos e casualidades, quando desistimos das armas e das reservas para se apresentar absolutamente disponível e vulnerável. Não há mentiras e formalidades, frases espirituosas e comentários sarcásticos. Há apenas uma burrice infindável, o beiço e a intenção de se entregar para uma mulher seja como for.
Pena que a ingenuidade tem que acabar mal. Caso contrário, não era ingenuidade, era sabedoria".
Os escritores mais amados são aqueles que falam pela gente.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Apenas pela beleza poética:

"'Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!' E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: 'Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?'

E eu vos direi: 'Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas'".

[Olavo Bilac]

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

NÃO SOU DAQUI

Meus avós são filhos do velho mundo que apostou na nova terra. Alguns trouxeram no sangue o peso da cor ou o fardo da religião de um povo. Deles, alguns cravaram raízes no Norte, outros no Nordeste ou no litoral carioca.

Meu pai nasceu e cresceu em Niterói, município separado da cidade maravilhosa por uma ponte sobre a Guanabara. No Rio, conheceria minha mãe, uma jovem com sobrenome tão indígena quanto como a baía é chamada. É que seu avô havia agregado aos registros da família o nome de uma índia por quem se apaixonou durante a construção da Transamazônica.

Minha mãe não nasceu na capital fuminense. Foi no Pará. Mas aí ela só veio ao mundo. Seus pais já moravam no interior de São Paulo e foi lá onde ela cresceu. Aos 17 resolveu estudar no Rio de Janeiro e morar com sua avó, moradora de uma das ruas que dão em Copacabana.

Quando ela conheceu meu pai não imaginava que largaria a vida de moça carioca para viver casada no interior do Ceará. Não imaginou, mas viveu, penou e amadureceu no "fim do mundo", como costuma chamar a cidade. Mas foi nesse lugar que ninguém ouviu falar que, depois de sete anos de casamento, eu cheguei.

A cidade, a casa e minha vida no que imagino ser sertão estão numa lembrança construída somente por histórias ouvidas, fotos e o que acho ser uma memória de meu primeiro ano de vida.

O poço do quintal, a piscininha de plástico debaixo da árvore no dia em que me gripei, as redes coloridas onde me ninavam, os brinquedinhos colocados na porta de entrada da casa quando eu brincava, a tangerina que devorava com caretas sentada no chão da varanda, as pererecas que se instalavam nas cortinas de meu quarto e eram exterminadas com água de bateria, o melão confundido por mim com uma bola... Isso foi lá no calor onde eu nasci.

Antes de meu segundo aniversário já estava no noroeste de Minas. Na cidade, onde de um lado há serra e do outro um rio, eu basicamente me fiz. Com o sotaque mineiro aprendi a falar e assim tive meus encontros amistosos com as crianças da rua de baixo durante aventuras solitárias de bicicleta pelo quarteirão.

Nessa cidade, também me machuquei com estripulias de patins ou nos riscos de me decidir apaixonada pelo colega da escola. Conforme aprendia e desaprendia de tudo, entendia de minhas ambições.


Quando a cidade ficou pequena demais eu sabia o que queria ser, pois já tinha crescido. Esperava crescer mais e conhecer mais do que havia amado em sonho.

Aos 16 mudei pra Brasília. A capital, apesar de estar num quadradinho de cerrado dentro do estado do Goiás, era a "cidade grande" mais próxima onde eu poderia estar. Ter a menor distância possível é importante quando os pais deixam sua filha adolescente morar sozinha para cursar faculdade.


Os horizontes nunca foram curtos. Um ano depois pude morar no Canadá, numa cidade onde a saída para o mar dava no Oceano Pacífico. O contato com os mais remotos estrangeiros tornou as distâncias mais táteis que nunca. Entendi que o mundo não é lá tão inalcançável quanto rezam as imaginações comumente limitadas. Foi aí que eu, que sempre tive que responder "não sou daqui" quando indagada sobre minha origem, me identifiquei com as viagens e aprendi a desejar ainda mais o mundo.

Em meio a algumas experiências "longe de casa", continuei e continuo tentando saber o que é viver nessa cidade planejada e super-moderna que está para virar cinquentenária. Aprendo junto de pessoas que começam a gerar a terceira geração de brasilienses e junto de tantos outros candangos.

Brasília é a única cidade (que tive notícia) que dá nome para aqueles que vivem mas não nasceram nela. Candango é isso e, por enquanto, é o que sou.

Mas, como não sou daqui, é provável que um dia me torne mais uma migrante na grande metrópole. Pretendo andar por aí e me fixar outras vezes, trocar de endereços... Enfim, não ser de outros lugares mais.

O crepúsculo é uma espiração.
Alívio.

A aurora é uma inspiração.
Esperança.


Não respondo se prefiro quando anoitece ou quando amanhece. Cada um tem sua beleza misteriosa e encantadora. Ambos acontecem.

JAMAIS

Eu jamais poderia ser a mesma. Não depois daquele livro, da embriaguez, e depois de tanta saudade. Não conseguiria ser a mesma mais. Mesmo com tantas leituras anteriores, ausências de sentidos e contínuo convívio com a falta. Nunca voltaria a ser o que era antes do beijo, da dor, do sucesso. Aquela de tempos atrás nunca mais serei eu, pois é impossível sair ilesa da jogadas do que chamam de destino. Abandonos, medos, descobertas. Aparecer sem remendos após tantas lutas, encontros, desencontros, perdas, maravilhas, não há como.
Velhas partes se desintegram no tempo, outras nos acontecimentos. E a nova pele sempre se cria nos sonhos e nas realizações. Há o que não mude, mas não há o que não se movimente. Por isso, depois de tudo o que vivi, passei e sonhei, ou durante esse presente, jamais poderia ser a mesma. Jamais serei.
Je ne regrette rien.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

INCONCRETO ABSOLUTO

Se houve alguma coisa de diferente nessa última passagem de ano, foi a minha completa desnecessidade de me planejar para os próximos meses. É como se eu tivesse me desligado do futuro e entendido, de nenhuma forma concreta, que o melhor a fazer é se entregar ao presente. A continuação não é feita a cada mês ou ano, mas num dia após o outro.
Acho que também entendi, ainda sem nenhuma concretização, que o tal algo de ausente que me atormenta não passa de algum canto mal interpretado de minha inconsciencia. E que, mesmo jurando o contrário, o importante é tentar me preocupar menos.
Além de qualquer suposição, descobri que os acontecimentos são inconcretos e é impossível definir, moldar, acabar. Chegar a uma verdader absoluta.
Necessária é a libertação, sempre. Meus momentos mais felizes foram os mais simples e tomados de liberdade. Isso é o desprendimento, a abstração dos sentimentos.
Então, se há uma nova luz em minha frente, ela conduz a além do resgate da paz... a ir mais longe.