quinta-feira, 22 de setembro de 2011

SOBRE AMANHECER I

A lembrança mais simbólica deste ciclo que começa é aquela janela aberta. Algumas vezes, entre sua moldura, vi o azul da noite clarear com os raios de sol, em dias que já nasciam quentes. Sempre que meu instinto pediu, coloquei o corpo para fora do apartamento e senti a luz nova entrar pela pele. Fechei os olhos e enxerguei a claridade ultrapassar as pálpebras. Ao mesmo tempo, senti a brisa fria soprar os cabelos e o rosto, e chegar aos pulmões, refrescando o corpo por dentro.
Não sei dizer se foi a situação ou nós que variamos em cada uma dessas vezes. Mas sei que o sentido de tudo aquilo foi o mesmo desde o começo. Diversificou-se a cada repetição. Multiplicou-se. Dividiu-se e somou-se.

domingo, 19 de junho de 2011

BOLERO RADICAL

- Ele não me ligou, Julio...
- E vc vai ligar?
- ... Não! Vc acha que eu devo ligar?
Julio nega com a cabeça.
- Ele que tem que ligar, oras... E se.. ele estiver pensando a mesma coisa??... Mas ele não está pensando, né...

sexta-feira, 3 de junho de 2011

NÓS

A luta mais dolorosa é contra a repressão. Sim, esta frase é um tanto clichê... e essa outra também. Mas, vai ver, a busca pela liberdade virou padrão. Provavelmente cada um enxerga muros diferentes para transpor, destruir ou encarar... ser livre tem níveis diferentes. Para mim, a busca por libertar é um constante confronto contra a repressão. Mas contra a minha própria, recípocra.

Para libertar é preciso reprimir o desejo de repressão. Não sei quanto aos outros, mas às vezes me pego dominada pela vontade do poder da imposição. "Você VAI fazer isso porque EU quero, ou se não...".


É difícil conviver e ao mesmo tempo nos libertar dos outros. Viver sua liberdade até onde começa a do próximo. Pois queremos extender, ter o controle sobre a nossa vida e também sobre todas as outras vidas convergentes à nossa. Porque não queremos que nos machuque. Queremos nossas vontades pelo outro satisfeitas, nossas carências apaziguadas até o limite, à nossa maneira. Porque não sabemos ser felizes machucados, insatisfeitos, carentes... Queremos correr riscos com margens de segurança. No entanto, essa margem é um tanto sutil, pois é baseada na fragilidade da confiança.

A confiança no externo, no outro, talvez nunca chegue a ser sólida. Mas a autoconfiança, não. Essa pode ser uma rocha. Quando não a temos firme, buscamos a do outro. Imploramos, exigimos, mendigamos, para ouvirmos "você pode confiar em mim, você é tudo". Ok, não serei tão dura. Todos temos momentos fracos e é confortante ouvir isso de alguém que admiramos. Mas há outra linha tênue entre um momento de necessidade e a dependência.

Quando não há o controle de si sobre si, não se faz escolhas. Não há rumos. não há meta. direção. vitória. conclusão. Liberdade é ter o controle sobre si; e a paz da consciência de não poder controlar o alheio.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

SOMENTE SÓ

Sentou por perto. Preferiu o chão, ficar com as pernas suspensas entre a margem de concreto e a água turva do lago. Eu também quis tirar os pés do chão. Havia sentado sobre a mesa com as pernas cruzadas, como quem levita.

Tínhamos em comum apenas a solidão. Fazia parte da dele uma garrafa de cerveja... deve ter comprado num quiosque do parque. Sua roupa não combinava com uma tarde de domingo. Tão social e formal. Seja como for, ela não importava mais. Não ligou em sujar de terra a calça clara. Deve ter chegado de alguma obrigação.

Eu também não me importava. Meu mundo era apenas a música nos ouvidos e o ardente pôr-do-sol que acontecia. Não tinha a intenção de contemplá-lo hoje, quando sai de casa. Eu só queria correr, suar, respirar. Mas não hesitei em ficar quando vi o céu tão brilhante.

Ainda muitas pessoas conservam o costume bucólico de parar e esperar o tempo do crepúsculo. No local, havia famílias e casais, vários casais. Talvez por isso a chegada dele tenha me chamado a atenção. Não que a pluralidade dos outros me ofendesse, mas constatei que minha solidão não era solitária.

Solidão a gente até pode compartilhar. Não foi o caso, claro. Isso a gente divide com quem suporta o nosso silêncio. Com o dono dos olhos que sabemos encarar com conforto. Ou por quem nos sabemos olhados mesmo sem ver. Solidão compartilhada com estranhos geralmente é tão constrangedora que deixa de ser solidão.

Éramos dois sozinhos na solidão. Estranhos, incomuns, ninguéns. Mas soubemos que a solidão não era um privilégio ou um fardo exclusivo.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

VOA VOA

Exército alado de papel

Dores desabrochadas
Desejos dobrados pela esperança
Alívio palpável
Persistência, paciência
Busca pela leveza
Que tudo bata asas
um dia...






terça-feira, 3 de maio de 2011

tento alcançar
não saio do lugar

o caminho é sempre em frente
no presente

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

OU NÃO.

Podemos nos acostumar a qualquer vida. Algumas vezes podemos escolher, outras, é o acaso que nos escolhe. Acontece.

Acostumar, no entanto, não é estagnar, se submeter, render. Não é ignorar. Pode até ser se acomodar, afinal, é preciso um pouco disso; de uma certa paz, um momento de conforto.
Seria alcançar uma convivência saudável... O que não significa buscar um meio termo para o todo. Ninguém merece uma vida morna.

Acostumar é conseguir focar nos melhores termos. Assim, amansamos as dores e vivemos as emoções com o furor que cada uma demanda.

Acostumar depende de atitudes constantes. Pois a inércia é um costume da não-vida. É submissão. Aceitar empurrar pedras montanha acima e eternamente vê-las rolar montanha abaixo. Não se acostumar é viver num inferno grego. É infrutífero.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Apenas uma janela sem estrelas...

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

FOGO

É preciso conhecer de queimaduras para jogar com o fogo. Por isso que muleques bem doutrinados devem manter-se longe. Quando um arrisca se aproximar da chama, incendeia até virar cinzas ou sai assustado com o calor.

Chegou aos vinte e poucos sem nunca ter gostado de comer alguma mulher. Duvidou da própria masculinidade, pensou que era bicha. Até cogitou experimentar outra fruta... Mas se endurecia todo com qualquer bunda em pé que passasse, com toda voz feminina que sussurrasse em seu ouvido ou com um toque mais delicado em sua nuca. Por homem não sentia essas coisas carnais, de instinto e arrepio.

Por tão poucas tentativas de gostar, não as ousa contabilizar. Decidiu buscar pelo sexo hétero e lento. Ao seu tempo e modo. E fingiu pirofagia sem saber se queimar. Era só fumaça.

Investiu em terreno conhecido e, com cautela, descobria o que havia entre os contornos dos sorrisos, por trás dos cabelos, nos detalhes dos olhos, até por baixo dos panos... Mas demorou para despencar dentro.

Na beira do abismo, quase caindo, hesitou, parou tudo. As coisas aconteciam rápido demais para ele, por mais que demorassem mais que o comum. No entanto, apesar do fogo não ter se apagado, não o deixaria impune. Na ocasião seguinte, a chama o engoliu morno; teve pena de arder o garoto.

Poderia te-lo consumido, e depois deixa-lo voltar das cinzas, devagar como ele. Seria uma lição e tanto sobre brincar com chamas... Mas fogo sabe do seu calor. Fazer-se brando sem promessas foi uma chance sem futuro. Um desafio da mais alta simplicidade, daquele que só encara quem se faz fogo também.

E ele correu, assustado. O medo desfez sua pirofagia de festim. Talvez tenha levado consigo uma brasa... do tamanho que consegue suportar. Enfim, acha que gosta de comer mulher. Mas ele sabe, como o instinto menino o fez saber, que nunca terá convicção se não deixar-se queimar.

“(…) E, aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”
[Manoel de Barros]



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ATO

Foi vista bebendo gin. Comprou o que restava da garrafa e depositou-se sem pressa no banco alto do lado de fora. O boteco não tinha o privilégio da esquina. Ficava entre lojas que só se revelam durante o dia. Sua solidão era dividida com a daqueles que há muito aceitaram sua perdição. Talvez uma puta e seu cliente na mesa ao lado. Martini e whisky barato. O cara do balcão deve ser viciado em crack em seu momento alcoólatra. Em pé, o velho é daqueles boêmios que viu as noites se transformarem com os anos... e a sujeira permanecer. Ela compunha o cenário destoante. Mas não julgou. Sequer notou.

Depois de esquecer, andou até aonde a música lhe puxou. Suou todas as suas lágrimas. Recompôs-se com a dose dupla de vodka com energético. A primeira foi quase toda para o corpo, literalmente. A segunda foi para a alma, caso houvesse alguma. Tirou a blusa e, do alto, dividiu o público com a dúzia de sedentos ao seu lado.

Conquistou um grupo gay do qual recebeu goles de água especialmente cristalizada. Então suou mais, e desceu mais... até um darkroom. Não havia lugar melhor para confrontar seus demônios do que no escuro, o que guarda seus medos. Delirou.
Quando emergiu, viu que na saída havia luz... Já? Que breve o breu.
Juntou-se, vestiu os óculos escuros, e partiu... Desde então, não foi mais vista.

O desamor encerra o encanto
Estava à procura disto quando desligou o telefone.
De encantar-se...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

VI
VENDO