quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

FOGO

É preciso conhecer de queimaduras para jogar com o fogo. Por isso que muleques bem doutrinados devem manter-se longe. Quando um arrisca se aproximar da chama, incendeia até virar cinzas ou sai assustado com o calor.

Chegou aos vinte e poucos sem nunca ter gostado de comer alguma mulher. Duvidou da própria masculinidade, pensou que era bicha. Até cogitou experimentar outra fruta... Mas se endurecia todo com qualquer bunda em pé que passasse, com toda voz feminina que sussurrasse em seu ouvido ou com um toque mais delicado em sua nuca. Por homem não sentia essas coisas carnais, de instinto e arrepio.

Por tão poucas tentativas de gostar, não as ousa contabilizar. Decidiu buscar pelo sexo hétero e lento. Ao seu tempo e modo. E fingiu pirofagia sem saber se queimar. Era só fumaça.

Investiu em terreno conhecido e, com cautela, descobria o que havia entre os contornos dos sorrisos, por trás dos cabelos, nos detalhes dos olhos, até por baixo dos panos... Mas demorou para despencar dentro.

Na beira do abismo, quase caindo, hesitou, parou tudo. As coisas aconteciam rápido demais para ele, por mais que demorassem mais que o comum. No entanto, apesar do fogo não ter se apagado, não o deixaria impune. Na ocasião seguinte, a chama o engoliu morno; teve pena de arder o garoto.

Poderia te-lo consumido, e depois deixa-lo voltar das cinzas, devagar como ele. Seria uma lição e tanto sobre brincar com chamas... Mas fogo sabe do seu calor. Fazer-se brando sem promessas foi uma chance sem futuro. Um desafio da mais alta simplicidade, daquele que só encara quem se faz fogo também.

E ele correu, assustado. O medo desfez sua pirofagia de festim. Talvez tenha levado consigo uma brasa... do tamanho que consegue suportar. Enfim, acha que gosta de comer mulher. Mas ele sabe, como o instinto menino o fez saber, que nunca terá convicção se não deixar-se queimar.

“(…) E, aquele
Que não morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
Não foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”
[Manoel de Barros]



sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

ATO

Foi vista bebendo gin. Comprou o que restava da garrafa e depositou-se sem pressa no banco alto do lado de fora. O boteco não tinha o privilégio da esquina. Ficava entre lojas que só se revelam durante o dia. Sua solidão era dividida com a daqueles que há muito aceitaram sua perdição. Talvez uma puta e seu cliente na mesa ao lado. Martini e whisky barato. O cara do balcão deve ser viciado em crack em seu momento alcoólatra. Em pé, o velho é daqueles boêmios que viu as noites se transformarem com os anos... e a sujeira permanecer. Ela compunha o cenário destoante. Mas não julgou. Sequer notou.

Depois de esquecer, andou até aonde a música lhe puxou. Suou todas as suas lágrimas. Recompôs-se com a dose dupla de vodka com energético. A primeira foi quase toda para o corpo, literalmente. A segunda foi para a alma, caso houvesse alguma. Tirou a blusa e, do alto, dividiu o público com a dúzia de sedentos ao seu lado.

Conquistou um grupo gay do qual recebeu goles de água especialmente cristalizada. Então suou mais, e desceu mais... até um darkroom. Não havia lugar melhor para confrontar seus demônios do que no escuro, o que guarda seus medos. Delirou.
Quando emergiu, viu que na saída havia luz... Já? Que breve o breu.
Juntou-se, vestiu os óculos escuros, e partiu... Desde então, não foi mais vista.

O desamor encerra o encanto
Estava à procura disto quando desligou o telefone.
De encantar-se...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

VI
VENDO