quinta-feira, 5 de maio de 2016

PAREDES FALSAS

Hoje, sonhei que as paredes do meu apartamento estragavam. Comecei a perceber a tinta saindo em alguns lugares e sinais de infiltrações. No meio da sala, notei que havia uma parede falsa. Era como se antigamente houvesse uma porta ali, que dava para o apartamento vizinho. Durante a reforma, ao invés de completarem a parede, fecharam a porta com um tapume e depois pintaram por cima. Moro lá há quase um ano e ainda não tinha notado o emendo descarado, pensei. Decidi que era hora de consertar tudo de verdade... mesmo naquela semana cheia de outras coisas pra fazer.

O que me impressionou nesse sonho não foi o enredo, mas cada uma das sensações que tive. Me senti enganada e culpada quando percebi o que acontecia, pois falhei ao não perceber a qualidade péssima da parede. Depois, me senti assustada com o fato de haver uma porta atrás da parede falsa. Quando a vi, primeiro temi que ela abrisse. Depois, senti curiosidade, vontade e coragem de rodar a maçaneta. Quando a abri, fiquei na defensiva e observando atentamente. Era o apartamento ao lado. Percebi que daquele lado a porta nunca havia sido escondida. Ou seja,  quem ali morava nunca tentou abrir a porta e, se abrisse, via apenas uma fina parede.

Eu  não entrei no apartamento e me apressei em fechar a porta, movida por um senso de ética. Então senti medo, pois percebi que estive o tempo inteiro vulnerável a quem morasse ali. Bastava a pessoa querer romper a divisória com um martelo e estaria dentro da minha casa. Ou então,  poderia ter feito um furo para me observar sem que eu soubesse. Me senti invadida, mesmo sem saber se algo tinha ocorrido.

Tive uma sensação que não sei nomear, mas que posso descrever como algo gelado por dentro. Frio na barriga? Não,  isso eu sinto quando estou prestes a despencar do alto em busca de adrenalina, correndo o mínimo risco de morrer. O gelo que senti aconteceu por um medo do passado, não do futuro. Foi um sentimento de não ter sabido quando acontecia algo terrível contra mim. E uma frustração por não ter evitado.

Entre tantos pensamentos e sensações, no fim prevaleceu a disposição de agir em relação a tudo aquilo. Primeiro mandar consertar e em seguida tirar satisfações com o locatário, a imobiliária e a pessoa que morasse ao lado. Imaginava como seria bom ver os tijolos erguerem uma parede de verdade ao lugar da falsa. Seria ótimo ver os vazamentos sanados e, depois, tudo muito bem pintado com a tinta e cor que eu escolhesse. Me empolguei com a possibilidade que surgiu. Então o sonho acabou.

Dizem que nossa casa, no sonho, reflete a nossa morada interior, a nossa personalidade. Então, as paredes que soube seriam os meus limites, o que constitui a minha vida. Descobrir que elas foram falsamente consertadas ou que foram mal acabadas, me chamam a atenção pois me parece uma revelação de que preciso reconstruir alguns aspectos. Algo me diz que fui eu mesma que me enganei e busquei soluções paliativas. Quanto a porta que leva à casa vizinha, posso imaginar que seja justamente a abertura para o outro... Talvez eu não confie de verdade nas pessoas e arrume artifícios frágeis para evitar o contato... e tema que a pessoa perceba o limite de araque e o viole para me fazer mal. Será?

Não me esqueço a primeira vez que sonhei com esse meu apartamento. Marcou porque foi como a comprovação de que eu estava em casa de verdade. Mudar para esse apartamento foi muito simbólico para mim. Foi o fim de uma fase importante e o começo da nova.

Apesar de gostar de dinâmica no dia a dia, é árduo para mim finalizar ciclos grandes. Eu postergo e levo situações ao nível do insuportável para, só então, fazer muita força para sair. Se, por um lado isso prolonga a dor e gera outras dores desnecessárias, por outro, inconscientemente acho que levar as coisas até o extremo evita uma queda extrema. Que paradoxo.

Começar,  para mim é mais leve. Não é fácil,  mas tenho muita disposição e alegria. Consigo me conectar rapidamente com o que quero e realizo, quase como o mágica. Simples e empolgante.

Faz quase um ano que moro nesse apartamento. Isso significa que não estou mais tão no começo assim. Faz quase um ano que mudei minha dinâmica de vida e isso significa que o começo está ficando no passado. Mas, esse sonho e os sinais da vida me mostram que tudo é impermanente e que,  querendo ou não,  podemos e devemos sempre começar. Sempre existe algo dentro de nós e no mundo que precisamos revisar, melhorar, resolver, descobrir,  aprender, questionar. Não adianta maquiar questões que o acaso nos traz, pois elas aparecem mais tarde exigindo urgência.

A ideia de que podemos ter mais começos na vida me seduz muito. Se as coisas funcionam bem comigo nos começos, seria muito bom se isso acontecesse com mais frequência. Logo, se quero ter mais começos,  tenho que aprender a ter mais fins.