Desejo insistente de liberdade. Pelo menos é o nome que dei para o que busco diariamente em meus sonhos acordados. Historinhas que surgem na mente em momentos de ócio ou quando me perco na paisagem que passa na janela do carro. Surgem e martelam, não me largam. Serão fantasias do ego ou mensagens do subconsciente? Sinais da intuição?
Por mais de um mês, me alimentei desse desejo de catar as minhas coisas, determinar o que é meu e o que é dele, encontrar um canto para morar sozinha. Pintar paredes das cores que quiser, fazer compras sem pedir opinião, pensar só em mim. Chamar as amigas para casa, fazer guacamole e tomar vinho. Planejar um mochilão pra Machu Picchu sozinha... Eu sempre quis ir ao Peru. Ficar em albergues, conhecer estrangeiros, praticar o espanhol, o inglês e a sociabilidade, como já experimentei algumas vezes. Ir aos shows que bem entender, não perder exposições, assistir à uma peça... Nossa, quanto tempo não vou ao teatro! Passar horas na livraria e encontrar respostas. Conhecer gente. Gente interessante, gente diferente, gente besta, gente que vai abrir a minha mente. Viajar no fim de semana com a grana que sobrou, escolher um destino qualquer e me jogar nas possibilidades, como era de costume.
Por mais de um mês, tenho sofrido fisicamente. Meu corpo somatizou a agonia de não realizar o desejo da alma. Dor de cabeça, tontura, enjoo, pressão baixa, indisposição, pesadelos, fantasmas. Estaria grávida? Não. Menstruei e mal trepei. Câncer? Deficiência hormonal? Calor? Depressão? Nada. Só uma espécie de labirintite emocional que começa a ser curada com quatro comprimidos por dia e tentativas loucas de fazer a escolha certa.
Em cima do muro
Por mais de dois meses discutimos. Logo nós dois super conectados, entrosados. Um casal de passarinhos voando lado a lado na mesma direção. Mas coisas que magoam foram acontecendo e se repetindo, até que murchou tudo. Nunca seria a mesma depois daqueles episódios pesados de choros de terror às 4h da manhã, em que prometi a mim mesma que sairia desse relacionamento. Dei um ultimato, exigi melhoras dele. E pior que ele cumpriu. Melhorou em tudo, virou o cara digno de continuar fazendo parte da minha vida. Eu que não voltei ao normal. E estou convencida de que nunca voltarei. O relacionamento murchou dentro de mim e ainda não tive fôlego para inflá-lo novamente.
Na medida em que o relacionamento murchava, cresceu dentro de mim esses desejos de liberdade, independência. Nossa, escrevendo assim parece que a solução é simples: Encerrar esse relacionamento que parece não fazer mais sentido e ir buscar a mim mesma. Seria simples se não fossem as emoções múltiplas que nunca sei ignorar e que jogam o "buraco" lá pros confins de baixo.
É nesse ponto da história em que entram as tentativas loucas de fazer a escolha certa. Acredito, sinto, que o amo. O vejo e dá vontade de abraçar, apertar, beijar, levar pra casa. Isso apesar de o desejo sexual por ele ainda não ter voltado à tona. Constato como ele têm sido um bom companheiro com a mania de fazer surpresas fofas, se importar com o que quero, reparar em mim, botar filminho para assistir, dar boa ideias, ser tão trabalhador, interessado em evoluir, estudioso, cheio de disciplina... Aquele cara que gera um relacionamento em que posso "investir" e que, certamente, frutos surgirão. Sei disso pois foi assim nos nossos tempos áureos.
Quando começamos a nos envolver não conseguíamos nos largar. Eu ficava mais na casa dele do que na minha. Preferia dormir naquele colchão de casal dele horrível e sem roupa de cama do que no meu colchão de solteiro ortopédico novinho, com lençóis de boa qualidade, cheirosos e na estampa que eu havia escolhido. Amontoava minhas roupas nas duas gavetas que ele havia me cedido na maior felicidade. Ele e deu escova de dentes... e logo eu tinha também desodorante, absorventes e o kit completo de banho. Fazia trabalhos da faculdade na casa dele, mesmo que ele não estivesse lá. Ele me deu também um pouco de disciplina para fazer meu TCC. Cuidou de mim incontáveis vezes em que fiquei doente. Cuidou mesmo, com carinho, sopinha, remedinhos, chazinhos, banhos. Cuidou sempre... Me carregou escada acima quando torci o pé e me consolou nas derrotas. Isso até sem morar junto, apenas me acolhendo no seu espaço. Eu demorei um ano para aceitar a proposta de morarmos juntos de verdade. Depois, vivemos sob o mesmo teto por um lindo ano, na perfeição da imperfeição. No ano seguinte, partimos juntos para viver em Dublin. Não deu certo e voltamos um semestre depois. Estamos vivendo juntos há mais uns oito meses no Brasil. Será que foi aí que começamos a desandar? Sei lá.
Mas é o amor que sinto por ele hoje e toda essa história que construímos que me deixa em cima do muro nesse momento em que preciso decidir entre permanecer no relacionamento ou seguir minha vida. O caminho mais difícil não é tão óbvio assim. Pois permanecer no relacionamento como está, não dá... é infelicidade, doença. Ir viver minha vida avulsa certamente é um caminho com pedras e espinhos que exigirá força, coragem e amor (o qual, até então, tem sido mais importante o que sinto por ele).
O terceiro caminho
Então, tento criar uma terceira possibilidade, uma alternativa... Eu amo os caminhos tortos e alternativos. E se eu conseguir renovar totalmente meu relacionamento? Criar uma nova vida a dois, em que eu me possibilite vivenciar minhas liberdades e o autoconhecimento? Será que consigo ter as duas coisas? Será que terei amor suficiente para tudo isso?
Enfim, será que inventei esse terceiro caminho para fugir da responsabilidade de escolher? Ou não? Sempre acredito que a vida pode ser mais fácil...
Que dilema tenso. Tenso e urgente, pois estamos na iminência (tipo amanhã) de mudar de apto. Deixar esse e ir para nosso apartamento anterior, maior e próprio (dele).
Enquanto não consigo me resolver totalmente, aposto nesse terceiro caminho, esperando algum milagre do tempo ou algum vacilo dele.
Sinto-me covarde.