sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Eu preciso ouvir, você não precisa falar, nos amamos desinformados".
[Fabrício Carpinejar]

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ÀS RISCAS

"Não quero medir a altura do tombo", jamais. Mas a grande emoção em andar na corda bamba surge quando o nível do perigo é superado.
Pode haver o infinito lá embaixo; a emoção já não vem do risco de cair, está no risco de manter-se sobre a corda, passo a passo tênue, a cada triz.

A placidez não se faz do ultrapasso do limite, mas de atingi-lo.


terça-feira, 15 de setembro de 2009

"Eu ainda era noite
e já sonhava madrugadas
Eu ainda era inverno
e já sonhava primaveras
Eu ainda era botão
e já sonhava flores.

Este todo o meu drama!

E se eu me perdi
porque de mim me parti
à procura de mais-além

de que vale então viver
se indo com os outros me atraso
se buscando ir mais além me perco?"

[Poema Labirinto, do caboverdiano Ovídio Martins]

PASSAR

"Não quero ficar parado dando adeus,
as coisas passando.
Eu quero é passar com elas
e não deixar nada mais do que as cinzas de um cigarro
e a marca de um abraço no seu corpo.
Não, não sou eu quem vai ficar no porto chorando,
lamentando o eterno movimento dos barcos."

[Trecho da canção Movimento dos Barcos, de Jards Macalé e Capinam]

sábado, 12 de setembro de 2009

PORTAS

Não sei quantas. Mas preciso chegar a cada uma. Destrancar, abrir, libertar.
Descobrir entradas e saídas.
Realizar passagens, enfim.
Tudo vale a pena. Tem de valer.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A ESMO

O constante conflito das profundezas apavora a fluidez das ondas. Transforma a livre impulsão deste mar de emoções. Ele, que se renova entre cada chegada ao sol e retorno à imensidão, está em tempestade. Nesta tormenta, a única clareza é que os elementos estão desordenados sem harmonia.
Carregado de desequilíbrio, o mar lança as ondas sobre pedras, com insistente violência, e, de maré alta, alcança o que não deve. Por vezes, recua de repente. Outrora, ameaça um tsunami. Mesmo sob o sol forte de brilhantes dias, ou diante do frescor da manhã que surge, ou ainda com o espetáculo da noite que cái por trás, a tormenta não cessa.
No meu mar de emoções, as ondas correm a esmo. E isso acaba com os sentidos de quem escolheu viver "como uma onda no mar".

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Recordar: Do latim re-cordis, voltar a passar pelo coração.
[Eduardo Galeano]

terça-feira, 8 de setembro de 2009

"O mundo das paixões é o mundo do desequilíbrio, é contra ele que devemos esticar o arame das nossas cercas, e com as farpas de tantas fiadas tecer um crivo estreito, e sobre este crivo emaranhar uma sebe viva, cerrada e pujante, que divida e proteja a luz calma e clara da nossa casa, que cubra e esconda dos nossos olhos as trevas que ardem do outro lado; e nenhum entre nós há de transgredir esta divisa, nenhum entre nós há de estender sobre ela sequer a vista, nenhum entre nós há de cair jamais na fervura desta caldeira insana, onde uma química frívola tenta dissolver e recriar o tempo; não se profana impunemente ao tempo a substância que só ele pode empregar nas transformações, não lança contra ele o desafio quem não receba de volta o golpe implacável do seu castigo; ai daquele que brinca com fogo: terá as mãos cheias de cinza; ai daquele que se deixa arrastar pelo calor de tanta chama: terá a insônia como estigma; ai daquele que deita as costas nas achas desta lenha escusa: há de purgar todos os dias; ai daquele que cair e nessa queda se largar: há de arder em carne viva; ai daquele que queima a garganta com tanto grito: será escutado por seus gemidos; ai daquele que se antecipa no processo das mudanças: terá as mãos cheias de sangue; ai daquele, mais lascivo, que tudo quer ver e sentir de um modo intenso: terá as mãos cheias de gesso, ou pó de osso, de um branco frio, ou quem sabe sepulcral, mas sempre a negação de tanta intensidade e tantas cores: acaba por nada ver, de tanto que quer ver; acaba por nada sentir, de tanto que quer sentir; acaba por só expiar, de tanto que quer viver; cuidem-se os apaixonados, afastando dos olhos a poeira ruiva que lhes turva a vista, arrancando dos ouvidos os escaravelhos que provocam turbilhões confusos, expurgando do humor das glândulas o visgo peçonhento e maldito; erguer uma cerca ou guardar simplesmente o corpo, são esses os artifícios que devemos usar para impedir que as trevas de um lado invadam e contaminem a luz do outro, afinal, que força tem o redemoinho que varre o chão e rodopia doidamente e ronda a casa feito fantasma, se não expomos nossos olhos à sua poeira? é através do recolhimento que escapamos ao perigo das paixões, mas ninguém no seu entendimento há de achar que devamos sempre cruzar os braços, pois em terras ociosas é que viceja a erva daninha".


[Raduan Nassar, Lavoura arcaica]

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

"Enquanto dura o baixo astral, perco tudo. As coisas caem dos meus bolsos e da minha memória: perco chaves, canetas, dinheiro, documentos, nomes, caras, palavras. Eu não sei se será mau-olhado.
Pura casualidade, mas às vezes a depressão demora em ir embora e eu ando de perda em perda, perco o que encontro, não encontro o que eu busco, e sinto medo que numa dessas distrações, acabe deixando a vida cair".

[Eduardo Galeano, O Baixo Astral, em O Livro dos Abraços]