segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

NÃO SOU DAQUI

Meus avós são filhos do velho mundo que apostou na nova terra. Alguns trouxeram no sangue o peso da cor ou o fardo da religião de um povo. Deles, alguns cravaram raízes no Norte, outros no Nordeste ou no litoral carioca.

Meu pai nasceu e cresceu em Niterói, município separado da cidade maravilhosa por uma ponte sobre a Guanabara. No Rio, conheceria minha mãe, uma jovem com sobrenome tão indígena quanto como a baía é chamada. É que seu avô havia agregado aos registros da família o nome de uma índia por quem se apaixonou durante a construção da Transamazônica.

Minha mãe não nasceu na capital fuminense. Foi no Pará. Mas aí ela só veio ao mundo. Seus pais já moravam no interior de São Paulo e foi lá onde ela cresceu. Aos 17 resolveu estudar no Rio de Janeiro e morar com sua avó, moradora de uma das ruas que dão em Copacabana.

Quando ela conheceu meu pai não imaginava que largaria a vida de moça carioca para viver casada no interior do Ceará. Não imaginou, mas viveu, penou e amadureceu no "fim do mundo", como costuma chamar a cidade. Mas foi nesse lugar que ninguém ouviu falar que, depois de sete anos de casamento, eu cheguei.

A cidade, a casa e minha vida no que imagino ser sertão estão numa lembrança construída somente por histórias ouvidas, fotos e o que acho ser uma memória de meu primeiro ano de vida.

O poço do quintal, a piscininha de plástico debaixo da árvore no dia em que me gripei, as redes coloridas onde me ninavam, os brinquedinhos colocados na porta de entrada da casa quando eu brincava, a tangerina que devorava com caretas sentada no chão da varanda, as pererecas que se instalavam nas cortinas de meu quarto e eram exterminadas com água de bateria, o melão confundido por mim com uma bola... Isso foi lá no calor onde eu nasci.

Antes de meu segundo aniversário já estava no noroeste de Minas. Na cidade, onde de um lado há serra e do outro um rio, eu basicamente me fiz. Com o sotaque mineiro aprendi a falar e assim tive meus encontros amistosos com as crianças da rua de baixo durante aventuras solitárias de bicicleta pelo quarteirão.

Nessa cidade, também me machuquei com estripulias de patins ou nos riscos de me decidir apaixonada pelo colega da escola. Conforme aprendia e desaprendia de tudo, entendia de minhas ambições.


Quando a cidade ficou pequena demais eu sabia o que queria ser, pois já tinha crescido. Esperava crescer mais e conhecer mais do que havia amado em sonho.

Aos 16 mudei pra Brasília. A capital, apesar de estar num quadradinho de cerrado dentro do estado do Goiás, era a "cidade grande" mais próxima onde eu poderia estar. Ter a menor distância possível é importante quando os pais deixam sua filha adolescente morar sozinha para cursar faculdade.


Os horizontes nunca foram curtos. Um ano depois pude morar no Canadá, numa cidade onde a saída para o mar dava no Oceano Pacífico. O contato com os mais remotos estrangeiros tornou as distâncias mais táteis que nunca. Entendi que o mundo não é lá tão inalcançável quanto rezam as imaginações comumente limitadas. Foi aí que eu, que sempre tive que responder "não sou daqui" quando indagada sobre minha origem, me identifiquei com as viagens e aprendi a desejar ainda mais o mundo.

Em meio a algumas experiências "longe de casa", continuei e continuo tentando saber o que é viver nessa cidade planejada e super-moderna que está para virar cinquentenária. Aprendo junto de pessoas que começam a gerar a terceira geração de brasilienses e junto de tantos outros candangos.

Brasília é a única cidade (que tive notícia) que dá nome para aqueles que vivem mas não nasceram nela. Candango é isso e, por enquanto, é o que sou.

Mas, como não sou daqui, é provável que um dia me torne mais uma migrante na grande metrópole. Pretendo andar por aí e me fixar outras vezes, trocar de endereços... Enfim, não ser de outros lugares mais.

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