quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"Naquelas horas, ver minhas obras assinadas por estranhos me dava um prazer nervoso, um tipo de ciúme ao contrário. Porque para mim, não era o sujeito quem se apossava da minha escrita, era como se eu escrevesse no caderno dele. Anoitecia e eu tornava a ler os fraseados que sabia de cor, depois repetia em voz alta o nome do tal sujeito, e balançava as pernas e ria à beça no sofá, eu me sentia tendo um caso com mulher alheia. E se me envaidecem os fraseados, bem maior era a vaidade de ser um criador discreto. Não se tratava de orgulho ou soberba, sentimentos natualmente silenciosos, mas de vaidade mesmo, com desejo de jactância e exibicionismo, o que muito valorizava minha descrição". (Chico Buarque, Budapeste, 17, 18)

Essa é uma das melhores passagens do livro do Chico. Ao menos foram frases que me pareceram tão intensas na descrição de um sentimento raro que me fizeram voltar à página delas várias vezes.
Imagino que, diferente da maior parte do livro - como é natural -, esse trecho saiu assim, bruto, naquelas doses extremas de entrega à obra.
Nesse momento entende-se Costa (o narrador) e ele passa a parecer menos rude.

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