sexta-feira, 5 de março de 2010

SEMIÓTICA DO AVESSO

Às vezes me ponho a observar coisas esmas que cruzam minha rotina. Passagens e costumes que nem chegariam a configurar minha percepção.

Estava lendo sobre João Cabral de Melo Neto, uma figura literária da qual o mundo eu ainda começo a adentrar. Ele se apegava ao concretismo em busca de equilibrar sua instabilidade emocional. Isso fez um sentido imenso para mim e me identifiquei.

Todos nós temos cascas e isso não torna ninguém mais impuro. Faz parte da identidade, há sempre uma coisa atrás da outra em nossa personalidade - e não estou falando de máscaras. Estou falando de ser "o avesso do avesso do avesso do avesso".

Acho ótimo poder constatar esse tipo de coisa. É uma forma de ganhar densidade na vida, aprender sobre si mesmo e compreender melhor os outros.

Meu quarto sou eu. Cheguei a essa conclusão após uma espécie de análise semiótica sobre ele.

Guardo muito coisa nele, mesmo. Mas sempre e cada vez mais me ocupo de dispensar o que não faz mais sentido. Ainda assim, é excessivo e nunca deixará de ser.

Cada coisa tem seu devido lugar, o que lhe dá um aspecto organizado, e o mantenho assim. Entretanto, ha muita coisa inacabada. Se algo em mim me atrapalha na vida é a procrastinação.

Por exemplo, não tardei em retirar algumas fotos que não faziam mais sentido de meu "móbile fotográfico", mas até hoje não me dei o trabalho de colocar novas imagens. Assim como as contas pagas que não foram parar na pasta, os bloquinhos de anotações que não foram para o lixo e as revistas sem coleção que não se juntaram às outras solitárias em sua respectiva prateleira.

Minha alma é assim, mas o avesso do avesso do avesso do avesso disso.
O inacabado tem uma áurea eterna.

"Eu me lembro
de você ter falado
Alguma coisa sobre mim
E logo hoje, tudo isso vem à tona
E me parece cair como uma luva
Agora, num dia em que eu choro
Eu tô chovendo muito mais do que lá fora
Lá fora é só água caindo
Enquanto aqui dentro, cai a chuva

E quanto ao que você me disse
Eu me lembro sorrindo
Vendo você tão séria
Tentar me enquadrar, se sou isso
Ou se sou aquilo
E acabar indignada, me achando totalmente impossível
E talvez seja apenas isso:
Chovendo por dentro
Impossível por fora

Eu me lembro de você descontrolada
Tentando se explicar
Como é que a gente pode ser tanta coisa indefinível
Tanta coisa diferente
Sem saber que a beleza de tudo
É a certeza de nada
E que o talvez torne a vida um pouco mais atraente

E talvez, a chuva, o cinza,
O medo, a vida, sejam como eu
Ou talvez , porque você esteja de repente,
Assistindo muita televisão

E como um deus que não se vence nunca
O seu olhar não consegue perceber
Como uma chuva, uma tristeza, podem ser uma beleza
E o frio, uma delicada forma
De calor"
[Lobão]

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