quarta-feira, 27 de maio de 2009

MEMÓRIAS DE UM FUTURO FICTÍCIO

Reconheceria aqueles olhos em qualquer lugar. O escuro da sala de cinema não seria suficiente para ofusca-los.

Após o filme desinteressante, levantei-me da cadeira assim que os créditos começaram a correr. Atitude reprovável a qualquer jornalista cultural, mas não estava ali para avaliar, anotar dados ou sondar uma provável pauta. Estava para passar o tempo daquela noite, fermentando a grande massa da indústria cultural.

Apesar de ter sentado na cadeira do canto, a mais próxima do corredor, buscava sentir-me, por momentos, mais uma cara sem identidade misturada a tantas outras, que perambulam pelos espaços públicos em pares, grupos ou unitárias, como num cardume. Ter cara de ninguém.

Havia tido poucas oportunidades de ser ninguém nos últimos tempos. Ultimamente só havia sido eu; eu colega de redação, eu que dirige mal, eu que não é daqui, eu do patins no parque, eu das amizades por perto e distantes, eu que desapareceu, eu das folgas junkies e plantões hardies, eu dos passos largos, eu contato no seu e-mail e número no seu celular, eu de tantas coisas e de tantos lugares, de tantos eus e tantos outros. Mas isso de ser ninguém, eu quis reexperimentar.

Parecia fácil nessa cidade de milhões de pessoas, naquele cinema atípico, numa sessão improvável. Mas eu reconheci aqueles olhos, que se esbarraram brutalmente com os meus na saída apressada da sala escura. Contrariadamente, eu não poderia mais ser ninguém. Era, inteiramente, o encontro com o eu e o outro do passado, com aquelas duas janelas que eu veria abertas em qualquer lugar.

4 comentários:

Vilhena Soares disse...

Foda! foda! clap! clap clap!
\o/

Anônimo disse...

intenso.
Gostei!

Anônimo disse...

Amei a parte que você queria se tornar anônima, me identifiquei e acho que todos se identificam. Somos o tempo todo o que o outro vê, somos números, senhas, infinitos... Amei o texto!

Dandara Lima disse...

Nossa, eu queria ser alguém de vez em quando. Ultimamente eu sou só anônima e anonimato também cansa.
Adorei o texto (: